O ELOGIO DOS ASSOBIOS
Em garoto “fazia” assobios – seriam apitos, claro – esfregando sementes secas nas pedras e provocando-lhe um pequeno orifício, pelo qual soprava provocando modulações inquietantes que atroavam os ares mas avisavam os familiares da minha posição relativa na selva dos becos, travessas e ruas das traseiras lá de casa.
Gostava de assobiar, em miúdo, e ainda hoje, sem qualquer justificação, dou comigo a assobiar, reproduzindo músicas que me ficam a bailar por dentro e querem muito que as lance cá para fora.
Tenho uma boa relação com o assobio. Não fosse a lei do assédio talvez o usasse à janela, ou, se subisse a algum andaime, se me desse para pintar fachadas e ver quem passa lá do alto, talvez assobiasse elogiando a vizinhança, pelo menos, a que fosse merecedora da eleição.
Assobio com os dedos metidos na boca, também, e assim manifesto, amplificada, a alegria de um bom momento; em vez da corriqueira vaia, uso o assobio como ênfase crítica e soprado gesto.
Mesmo mentalmente, assobio. Isso faz de mim um tremendo assobiador, talvez um soprador ruidoso, alguém que tenta ingenuamente manifestar-se, por vezes afastando o que não gosta com um simples sopro.
Tenho lido muito sobre assobios, mesmo quando o tema não é o assobio. Por exemplo, sobre as mais diversas formas de sopro, em especial o sopro da vida, que culturas e civilizações interpretam diferentemente a seu modo.
Olhando o que me rodeia, desejava muito que as pessoas se encontrassem e fizessem dos seus gritos magníficos assobios afinados, conseguindo passar à frente nas suas diferenças. Provavelmente, é mais o que nos junta, do que aquilo que nos separa, só que não sabemos e somos muito pouco sábios para ver as vantagens da concórdia.
Nada como um bom assobio para seguir em frente. Será talvez a essência da música: esse conjunto pródigo de todos os assobios.
Não foi com espanto que soube da notícia: o sobreiro assobiador de Águas de Moura. Com mais de 26 mil votos, venceu o concurso da Árvore Europeia do Ano. O sobreiro deve o seu nome “assobiador” ao som originado pelos pássaros que pousam nos seus ramos, geralmente ao fim do dia. A árvore, com 234 anos e cerca de 16,2 metros de altura, já foi descortiçada mais de vinte vezes.
A notícia pôs-me a pensar, tanto que me esqueci de diplomatas expulsos, contra comunicação nos meios de contacto com as massas – jornais, revistas, televisões, internetes…essas coisas que apitam mas não assobiam. Pus-me a pensar e a conclusão tornou-se uma evidência: que seria do assobiador sem os pássaros que o animam.
Abro as asas.
Até breve.
Alexandre Honrado
Historiador